domingo, 15 de julho de 2012

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

PRIMEIRA FAVELA DO RIO - PROVIDÊNCIA






Pesquisa: José Carlos Melo / Guia de Turismo

"Eu só quero é ser feliz
Andar tranquilamente
Na Favela onde eu nasci
É...
E poder me orgulhar
E ter a consciência
Que o pobre tem o seu lugar
Fé em Deus ..."
(Rap da Felicidade - Cidinho e Doca)
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ORIGEM DA PRIMEIRA FAVELA DO RIO DE JANEIRO

Foto 01 - Em DEUS somos UM; em JESUS CRISTO somos todos irmãos.Foto 02 - População negra habitante do Morro da Babilônia, RJ (cerca de 1910)
Foto 03 - Sobreviventes da Guerra de Canudos, fotografados em 1897.
Foto 04 - Morro da Favela (Providência) em 1958.
Foto05 - Morro da Favela. Favela: "Conjunto de habitações populares, em geral toscamente construidas e usualmente deficiente de recursos higiênicos". (Definição do Mini-Dicionário Aurélio.)
Foto 06 - Ano 1983 /"Cenas de violação dos direitos civis e humilhação impostas a um grupo de homens negros capturados durante uma blitz da PM num morro Carioca - mais tarde ficou provado que todos eram trabalhadores e sem nenhum registro criminal." Por José Reinaldo Marques, 08/07/2005 - Fotojornalismo prêmio ESSO; Luiz Morier.
"O pobre é humilhado e esculachado na favela
Já não aguento mais essa onda de violência
Só peço as autoridades um pouco mais de competência."
(Rap da Felicidade - Cidinho e Doca)
Foto 07: O Secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame no "baile de gala" de debutantes do Morro da Providência, promovido bela Policia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Foto Jornal O DIA.16.08.2010
Foto 08: As jovens da comunidade no baile de gala. Jornal do DIA.Foto 16.08.2010.
"Policiais viram "principes" de jovens da FAVELA da providência, em baile de gala de debutantes. A festa de 15 jovens para 200 convidados, realizada no Centro Cultural José Bonifácio, na Gamboa, foi idealizado pelo comandante da UNIDADE (foto alto.05), capitão Glauco Shorcht, e financiado por 9 empresas. Ao lado de outros 13 comandantes e subcomandantes de UPPS e do BELTRAME, GLAUCO foi um dos "principes" das debutantes, escolhidas em cadastros de programas sociais e por critérios comos aproveitamento e frequência escolar." Por: João Ricardo Gonçalves. Jornal O DIA, RIO, 10.08.2010
Foto 09: O comandante da UPP, Capitão Glauco Schorcht, 34 anos, está mapeando os pontos turísticos da Providência e pretende colocar os moradores para trabalhar como guias. Um dos locais do roteiro é a igreja Nossa da Peña, no ponto mais alto da Favela.
"Vamos tentar resgatar essa história. A caixa d´água ao lado da igreja, por exemplo, foi construida por escravos e a cruz teria sido trazida por militares da Guerra de Canudos", explicou o oficial. Entre os primeiros moradores da Providência, no fim do século 19, estavam soldados que combateram o movimento liderado por Antônio Conselheiro em Canudos. Abril/2010, Jornal O DIA.
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LUGAR DE ESQUECIMENTO

"Todo brasileiro, mesmo o alvo de cabelo louro, traz na alma,
quando não na alma e no corpo, a sombra, ou pelo menos
a pinta, do indígena ou do negro..." (Gilberto Freire)

Por Roger Almeida

(...) A onipresença das favelas cariocas é a marca mais concreta do Brasil-República.
A imponência de favelas como Rocinha, Cantagalo e Vidigal transpõe os cartões-postais da Zona Sul carioca e há pouco mais de um século são entraves aos projetos urbanísticos excludente da cidade. “Pode-se dizer que as favelas tornaram-se uma marca da capital federal (no período da República Velha), em decorrência (não intencional) das tentativas dos republicanos radicais e dos teóricos do embranquecimento – incluindo-se aí os membros de várias oligarquias regionais – para torná-las uma cidade européia”, como afirmam Alba Zaular e Marcos Alvito na introdução do livro “Um século de Favela”.
O prefeito Cândido Barata Ribeiro, em 26 de janeiro de 1893, botou abaixo o cortiço Cabeça de Porco, considerado o maior da cidade. Francisco Pereira Passos, em março de 1904, com a demolição de 641 casas, desalojou quase 3.900 pessoas. Esses projetos de reforma urbana, especialmente segregacionista, deram início a um processo de ocupação e povoamento dos morros da cidade. A primeira favela do Brasil surgiu em 1897, no centro da cidade do Rio de Janeiro, para abrigar homens, mulheres e crianças que não faziam parte do projeto progressista dos homens da República.
As reformas urbanas na capital federal marcaram a gestão do prefeito Pereira Passos entre os anos de 1902 a 1906. A construção da Avenida Central foi um dos eventos que marcam o período republicano. Nesses anos, em que a cidade se transformou num canteiro de obras, foram erguidas dezenas de monumentos que permaneceriam na memória dos habitantes da cidade como uma construção dos homens do Brasil republicano. Contudo, junto da edificação do boulevard que ligava a região portuária à Zona Sul carioca surgiam os casebres de açafrão e de ocre. O Rio de Janeiro estava sendo construído como uma nova cidade, moderna, europeizada, capaz de ser o cartão-postal da recém-criada República. Contrariando esse ideal, as favelas passaram a ser vistas como outras cidades, corpos estranhos dentro da urbe formal.
Esses corpos estranhos não poderiam estar inseridos no projeto republicano que estava sendo construído na cidade do Rio de Janeiro. O Morro da Favela, considerada a primeira favela do Brasil, a partir do ano de 1897 abrigou remanescente dos cortiços do centro do Rio, ex-escravos do Vale do Paraíba e os soldados desamparados da Guerra de Canudos e todos aqueles que jamais seriam retratados na poesia de Olavo Bilac. A favela erigia-se como monumento na região da Central da Brasil em frente a praça da Aclamação (hoje Praça da República), lugar onde os célebres militares marcharam para proclamar a República brasileira em novembro de 1889. Hoje, conhecemos o antigo Morro da Favela como Favela da Providência, que ainda pode ser vista atrás da Central do Brasil, entre os bairros do Santo Cristo e Gamboa.
O Morro da Favela é a representação do que deveria ser esquecido para os republicanos da época. Nas lembranças da República Velha estão catalogadas, não oficialmente, as favelas do Rio de Janeiro e do Brasil porque foi a partir desse momento que iniciaram as desastrosas políticas urbanísticas para as cidades.
Se hoje nós olharmos o Morro da Providência lembraremos do prefeito Pereira Passos, do presidente Rodrigues Alves, da República Velha, pois ali se construiu o avesso de um lugar de memória, um lugar de esquecimento.
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MORRO DA PROVIDÊNCIA, chamado FAVELA. (Foto 04 e 05 / alto)"Ao regressarem das expedições constra Antônio Conselheiro (campanha de Canudos), no final do século XIX, receberam os soldados do Coronel Moreira Cesar e do General Artur Oscar alguns recursos para instalar-se em casa própria no Rio, e foi ali, nas abas da Providência, que eles o fizeram, logo disseram que ela era a sua "FAVELA" Carioca, numa alusão ao morro do sertão baiano de onde a artilharia legalista bombardeava o reduto daqueles jagunços misticos... E o nome popularizando, ficou sendo também dos nossos demais conglomerados humanos semelhantes para afinal, figurar depois no diocionário como novo brasileirismo bem típicos dos tempos modernos, nas nossas atravancadas metrópoles." - Brasil Gerson / Ruas do Rio.
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A GUERRA DE CANUDOS
Autores: Nelson Piletti, Claudino Piletti e Thiago Tremonte

Por volta de 1870, um homem que passou a percorrer a pé o sertão nordestino começou a chamar a atenção de muitas pessoas. Seu nome: Antônio Vicente Mendes Maciel, que se tornou conhecido como Antônio Conselheiro, por das conselhos às pessoas que se reuniam à sua volta.
Filho de um pequeno comerciante de Quixeramobim, Ceará, Antônio nasceu em 1828. Aos 6 anos perdeu a mãe e, aos 27, ficou órfão de pai. Passou então a cuidar dos negócios da família, que abandonou dois anos mais tarde para casar-se e ser professor em uma escola de fazenda. Tornou-se escrivão de cartório e rábula (advogado sem diploma). Mas um problema pessoal acabou por mudar totalmente sua vida: traído pela mulher, que fugiu com outro homem, Antônio passou a andar pelo Nordeste restaurando igrejas e cemitérios. Além disso, começou a ler e a pregar o Evangelo, ouvindo os problemas das pessoas e dando-lhes conselhos.
Com a proclamação da República, em 1889, Antônio Conselheiro começou a manifestar-se contra o casamento civil e os impostos municipais, medidas implantadas pelo novo regime. Em 1893, na cidade de Bom Conselho, no norte da Bahia, Antônio Conselheiro mandou arrancar e queimar os papéis com orientações sobre o pagamento de impostos que estavam afixados em locais públicos da cidade. Passou então a ser perseguido pela polícia. Ele e seus seguidores refugiaram-se numa fazenda em ruínas, próxima a Bom Conselho, chamada CANUDOS.
De 1893 a 1897, cerca de 25 mil sertanejos, liderados por Antônio Conselheiro, formaram a comunidade de Canudos. Cultivavam produtos como mandioca, milho, feijão, batata-doce e desenvolviam a criação de cabras. A formação de pastagens, a criação de rebanhos e as colheitas eram tarefas realizadas pelos homens. As mulheres confeccionavam roupas, fabricavam cestos e sandálias e cuidavam da casa. Conselheiro, além de chefe espiritual, era uma espécie de prefeito. Em suas pregações, costumava fazer profecias.
O arraial de Canudos foi se tornando conhecido e atraindo pessoas de regiões distantes. As autoridades viam em Conselheiro um subversivo. Além disso, não sabiam quais eram suas reais intenções e o acusavam de defender o regime monárquico... Em 1896, o governo da Bahia recebeu a informação de que a cidade de Juazeiro seria atacada por homens de Antônio Conselheiro. Uma força militar foi preparada para proteger a cidade, mas o ataque não se realizou. As autoridades decidiram então organizar expedições contra Canudos.
As casas do arraial eram muito simples. Na maioria, eram construções de pau-a-pique com telhados de palha e apenas uma minúscula saleta, um quarto e uma cozinha. Agrupavam-se sem nenhuma ordem ao redor de algumas praças e das duas igrejas, a velha e a nova. Isso fazia de Canudos um labirinto. Alguns historiadores acham mesmo que o Conselheiro escolheu aquele local prevendo futuros ataques armados de seus inimigos...
O governo do estado da Bahia enviou um destacamento de cerca de 100 homens, sob o comando de um tenente, para prender Antônio Conselheiro e dispersar seus seguidores... Já nesses primeiros combates fica claro que as condições da região favoreciam o Conselheiro e seu grupo, para quem o sertão era terreno bem conhecido.

EXPEDIÇÕES CONTRA CANUDOS
Foram quatro expediçoes contra Canudos - duas estaduais e duas federais. Na primeira delas, em 1896, um tenente comandou cem homens, que foram vencidos depois de um violento combate corpo a corpo. A imprensa baiana começou a mandar notícias alarmantes para o Rio de Janeiro, segundo as quais o Conselheiro seria um anarquista e o sertanejos seriam uns bárbaros. aguns setores da imprensa descreviam o Conselheiro como um defensor da monarquia, contrário à República.
A segunda expedição, comandada por um major, contou com 250 homens. Partiu triunfante, certa da vitória fácil, e voltou derrotada, tendo perdido mais de cem soldados.
Prudente de Morais, presidente na época, ficou indignado e convocou, para o comando de uma nova expedição, o coronel Moreira Cesar, famoso pela violência utilizada contra os voltosos da Revolução Federalista (1893-1895), no sul do país.
Moreira Cesar acreditava que seus batalhões derrotariam facilmente Canudos. Mas a realidade foi outra: escondidos entre os arbustos, nas grutas e entre as pedras, procurando a luta corpo a corpo, os sertanejos resistiram bravamente. Os canhões, as metralhadoras e os fuzis dos soldados não foram suficientes para liquidar os sertanejos. Muitos militares morreram dentro do arraial, inclusive Moreira César. Os que sobreviveram fugiram aterrorizados, deixando armas e munições.
Para o governo federal, a brutal derrota e a debandada dos seus soldados eram vergonhosas. Assim, o próprio ministro da Guerra passou a dirigir as operações contra Canudos. Em abril de 1897, convocou dois generais para o comando da quarta expedição: Artur Oscar e Cláudio do Amaral Savaget, que partiram de locais diferentes. Mas de 7 mil soldados foram recrutados em todos os estados.
A imprensa procurou influenciar seus leitores: o Exército iria salvar a República. Alguns jornalistas foram autorizados a acompanhar as tropas. Entre eles estava o engenheiro Euclides da Cunha.
No dia 24 de setembro de 1897, Canudos estava cercada. Foram dez dias de violentos combates. No dia 5 de outubro, os últimos resistentes foram mortos. O arraial estava destruido.

EUCLIDES DA CUNHA
A Guerra de Canudos tornou famoso um até então desconhecido engenheiro e jornalista: Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha. Nascido em Cantagalo, Rio de Janeiro, no dia 20 de janeiro de 1866, foi um dos principais repórteres a acompanhar a última expedição contra Canudos.
Tendo abandonado a carreira militar pela engenharia, foi na literatura que mais se destacou. Em 1897, Euclides da Cunha foi enviado pelo jornal O Estado de S. Paulo para acompanhar a guerra contra Canudos, onde recolheu o material que lhe possibilitou escrever Os Sertões, obra publicada em 1902 e considerada um clássico da literatura latino-americana. Graças a essa obra, tornou-se um dos mais importantes autores da literatura brasileira, sendo eleito para a Academia Brasileira de Letras em 1903.
Euclides da Cunha morreu assassinado no Rio de Janeiro em 1909.
Leia, a seguir, um trecho extraído de Os sertões.
Fechemos este livro.
Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a História, resistiu até o esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados.
Forremo-nos à tarefa de descrever os seus últimos momentos. Nem poderíamos fazê-lo. Esta página, imaginamo-la sempre profundamente emocionante e trágica; mas cerramo-la vacilante e sem brilhos.
Vimos como quem vinga uma montanha altíssima. No alto, a par de uma perspectiva maior, a vertigem...
Ademais, não desafiaria a incredulidade do futuro a narrativa de pormenores em que se amostrassem mulheres precipitando-se nas fogueiras dos próprios lares, abraçadas aos filhos pequeninos...
...a quem devemos preciosos esclarecimentos sobre esta fase obscura da nossa História? Caiu o arraial a 5. No dia 6 acabaram de o destruir desmanchando-lhe as casas, 5200, cuidadosamente contadas.

MADAME SATÃ, LAPA E A ILHA GRANDE
















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Fontes e créditos: escritor Rogério Durst/1985; Pedro Luiz; Jornal do Brasil e o Globo; Orestes Ribeiro; e outros.
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CLIQUE AQUI E ASSISTA O VÍDEO DO FILME MADAM SATAN 1930.
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João foi, como se diz, de tudo um pouco: malandro, artista, presidiário, pobre e até pai adotivo, até se tornar Madame Satã, cujo nome foi tirado de inspiração do filme Madam Satan, de Cecil B. De Mille, em 1930, (Por Tatiane Crescêncio 28/02/2006)
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Foto 01 - Madame Satã na sua pose favorita. Foto 02 (alto) Jaguar, colunista do Jornal O DIA, amigo de Madame Satã - Foto 03 (alto) - Cecil Blount DeMille, cineasta americano, autor do filme Madam Satan (Madame Satã), de 1930. Foto 04 - Madame Satã com 18 quilos a menos, dia 22 de fev 1976, Hospital do INPS de Ipanema, com Norma Bnguell./Foto 05 - No hospital de Angra dos Reis, antes de ser transferido pelo cartunista Jaguar./Foto 06 - Com o seu chapéu panamá.
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O MAIS FAMOSO MALANDRO DA LAPA

"Quando o conheci, já era sessentão...tinha o físico seco,
sólido e razoavelmente musculoso."
(Orestes Ribeiro)
É quase impossível falar do Rio Antigo, mais precisamente a partir dos anos 30 do século passado, sem que o nome de Madame Satã seja lembrado. O malandro mais querido e famoso que o bairro da Lapa já teve, nasceu em 1900 em Glória do Goitá, Pernambuco, recebendo de batismo o nome João Francisco dos Santos. Ele tinha 17 irmãos, que também eram filhos de Manoel Francisco dos Santos e Teresa Firmina da Conceição, descendentes de escravos, compondo uma família muito pobre, semelhante a quase todas as outras do interior pernambucano.
Com a morte de seu pai, em 1907, a familia ficou ainda mais pobre, motivo que obrigou sua mãe a trocá-lo por uma éguinha com um negociante de cavalos chamado Laureano. Como todo “bom” canalha, prometeu a dona Firmina que o pequeno João receberia tratamento humano, casa, comida e escola. Mas, não foi isso o que aconteceu; o menino “foi transformado numa criança escrava”. Digamos que, de criança escrava para vítima de abuso sexual, a distância é mínima.
Ocorre, que numa viagem à Itabaiana, estado da Paraiba, Joãozinho conhece um outro “anjo da guarda” de nome sugestivo chamado dona Felicidade. Lembrando o caso do comerciante de cavalos, compadeceu-se da mesma forma com a triste situação da criança covidando-o para fugir. E o menino aceitou o convite. Os dois fugiram para muito longe...longe de verdade.
Chegaram ao Rio de Janeiro e, em 1908, dona Felicidade monta um pensão de nome Hotel Itabaiano. Já com 8 anos de idade “fazia a entrega de marmitas”. No vai e vem das entregas, aos poucos passou a frequentar a Lapa, onde mais tarde se tornaria num dos malandros mais famosos do Rio. Certamente, “amor a primeira vista entre João e a Lapa”. É para lá que ele fugiu em 1913 e foi viver. Esta relação só se interrompeu quando condenado pela justiça, a purgar grande maioria das suas penas, no presídio de Ilha Grande, em Angra dos Reis.
Na nova casa, pelas ruas estreitas e sujas daquela época, viveu como qualquer moleque de rua, sobrevivendo apenas do “Deus dará” e pequenos furtos. Cesto de feira e pé de escada era a sua cama. Em tal circunstância, a vítima de triste destino era preso e apanhava da polícia. As vezes vinha em seu socorro a cafetina Catita, mulher imensa de 180 kg que defendia os moleques. Conheceu então o senhor Bernardo, vendedor de pratos e panelas de alumínio com quem passou a trabalhar, motivo pelo qual abandonaria a rua. Em 1918, João vai trabalhar como garçon na pensão da Lapa pertencente as madames Gaby, Naneth e Janeth.
Um malandro e gigolô chamado sete-coroas foi o seu mestre na “fina arte da malandragem”. Com êle aprendeu a arte do jogo, da navalha, da rasteira e da valentia. Por volta de 1923, com 1,75 de altura e andar ligeiro, já era conhecido pelo apelido de Caranguejo e respeitado pelo seu murro violento de esquerda, agilidade e resistência física. Ele era do tipo que não levava desaforo pra casa e não corria da raia. Entrava numa briga com muito gosto e coragem. Segundo a lenda, muitos policiais foram humilhados em confronto com esse personagem que tinha físico seco e sólido, razoável musculatura e, caminhava ereto e sempre apressado.
Um homem alto, magro e muito bonito chamado “Brancura”, foi o caso homossexual mais conhecido de Madame Satã. Viveram juntinhos e felizes duarante dois anos, até que um dia Brancura fugiu para São Paulo, para viver com uma mulher. Transtornado, foi atrás do seu grande amor, mas, em vão.
Desde criança acariciava o sonho de ser travesti e assim “ser alguém na vida”, o que conseguiu quando se fantasiou para um concurso lançado pelo Bloco Caçador de Veados. Outros rapazes de sua época também curtiam o mesmo sonho. Certo dia, no Passeio Público, preso com outros travestis e levados para a delegacia, todos se identificaram com o seu nome de guerra ou profissão, exceto João dos Santos. O delegado Gonçalves estranhou o fato raro e, inspirado no título de um filme americano (Madam Satan - 1930) que estava em exibição, foi o responsável pelo apelido através do qual ficaria conhecido o lendário malandro da Lapa: MADAME SATÃ. Gabava-se de ter sido o primeiro travesti-artístico brasileiro.
Mais tarde, enveredou pelo caminho da malandragem, ou melhor, do crime. Costumava dizer: não sou bandido, sou malandro! Por longo tempo foi considerado o terror do bairro da Lapa, centro do Rio, capital federal na época.
Aos 29 anos foi preso por homicídio. O motivo foi uma briga entre ele e o guarda Alberto, dentro de um restaurante, e que terminou com a morte do guarda. Fugiu, mas foi perseguido pela polícia até ser capiturado. Com referência a esse homicídio, dizia ele: “- Quando o revólver disparou na minha mão, eu ajudei Deus a levar o guarda Alberto.”
Entre uma decepção amorosa homossexual e outra, tinha uma recaida. Em 1946, conheceu Maria Faissal com quem passaria a viver mas, não por muito tempo. Foram bons amigos.
Madame Satã, enquanto nas mãos da justiça, teve que responder a cerca de 29 processos referentes a agressões, desacato a autoridade, roubos e prática de uma tal de “suadouro” muito comum nos bordéis (putero). Além do caso de homicídio citado anteriormente. Somado todas as penas contra ele foram 27 anos e oito meses, quase todas cumpridos no presídio de Ilha Grande. Era considerado um preso de excelente comportamento, relacionando-se bem com todos os companheiros. As faltas a ele atribuídas foram algumas tentativas de fuga, que assim justificava: - “o pior para mim era perder a liberdade...”
Depois de longo tempo vivendo distante da Lapa, o seu coração inevitavelmente deu lugar a uma outra paixão: a Ilha Grande, maior ilha do litoral fluminense. “A Ilha Grande é a minha segunda mãe”, dizia ele. Após cumprir todas as penas, decidiu ficar por ali mesmo, fixando residência na Vila do Abraão.
Mesmo na velhice, não se envergonhava de dizer que havia praticado relação homossexual durante algum tempo. Gostava de curtir sua casinha, onde vivia em paz com a vida, cercada por árvores frutíferas como bananeiras, jaqueiras e coqueiros. Para se manter, fazia trabalhos domésticos. Lavava roupas para muita gente e também exercia a profissão de cozinheiro ganhando fama com as suas famosas peixadas, temperadas com condimentos tirados da mata local. Dizem que ainda existe lá na Vila do Abraão uma peixada a moda Madame Satã.
O sangue carnavalesco corria nas suas veias. Duranto o período da festa de Momo, vestia-se com uma fantasia diferente para cada dia e divertia-se pra valer. Não dispensava uma só noite, e durante o dia saía no bloco do sujo com os rapazes do Abraão. Era show, imagino.
Tinha uma filha adotiva chamada Ivonete, a qual dedicou esforços e procurou amparar para que “tivesse um futuro digno”. Parece que a dedicação de João dos Santos não foi em vão, pois sua filha tornou-se professora. Afirmava ter outros filhos adotivos.
Em 1971, procurado pelo Jornal Pasquim, único jornal alternativo que sobreviveu a ditadura militar, saiu da obscuridade ao conceder entrevista. Nessa entrevista ele cita, que testemunhou na Praia do Corisco, Ilha Grande, o assassinato de um preso chamdo Jatobé, por dois policiais. A partir daí, volta a ser lembrado não mais como bandido e, sim, uma lenda que passaria definitivamente a fazer parte da história do Rio e da Ilha Grande.
Carisma e fama ajudaram conquistar amigos no meio artístico, motivo que lhe valeu, em janeiro de 1975, trabalhar na peça teatral Lampião do Inferno, na qual relatava fatos de sua vida na malandragem. Segundo consta, Madame Satã, não concordava muito em submeter-se às regras disciplinares da vida teatral, motivo da vida efêmera da peça.
Após esse episódio, que talvez justifique a sua impaciência, ao sentir-se doente e debilitado, procurou em Angra dos Reis, socorro médico no Hospital e Maternidade Condrato de Vilhena (Codrato/coldrato), onde ficou internado por vários dias como indigente e no anonimato, sem que os médicos conseguissem identificar a doença que o vitimara. Lá, foi descoberto pelo Jornal o Globo, que tornou público as condições em que se encontrava o mais famoso e boêmio do lendário bairro da Lapa.
"Mesmo, debilitado, desanimado, mantinha, entretanto, parte do espírito teatral de outrora, como nas ocasiões em que desabafava para os enfermeiros que cercavam sua cama: "Madame Satã, o travesti da Lapa, o marginal perigoso, está no fim." E após uma pausa, acrescentava: E que fim."
O cartunista Jaguar, ao tomar conhecimento do fato, compadeceu-se com a triste situação do amigo e, junto com a atriz Norma Benguell e Joel Barcelos transferiram-no para o hospital do INPS (INAMPS) de Ipanema, onde foi possível diagnosticar “câncer no pulmão em fase avançada”, doença que já havia comprometido outros orgãos.
Internado, ainda resistiu dois meses. Sozinho numa enfermaria, com 18 quilos a menos que o normal, morreu no dia 12 de abril de 1976, às 17 horas e 30 minutos. Na ficha, a causa da morte: câncer pulmonar com metastase (disseminação da doença em outros órgãos). Passava pouco das 21h quando o jornalista Jaguar chegou ao hospital para reclamar o corpo. Logo depois chegava Ivonete dos Santos, filha adotiva de Madame Satã. Eles cumpriram o seu último desejo. O corpo de João de Francisco dos Santos foi transladado para a Ilha Grande e sepultado dignamente no cemitério da Vila do Abraão, no dia 14 de abril.
Dois meses antes de falecer, disse ao reporte do mesmo Jornal:
A morte é o fim de todos. Pois, que venha logo, que eu não quero ficar entrevado numa cama!
Parabéns ao cartunista e jornalista Hélio Jaguaribe, o Jaguar, pelo belo ato de humanidade!!!

PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA E A ILHA GRANDE





"O Imperador era um
homem sempre de rosto
limpo e bem tratado."
(João Antônio Guaraciaba - escravo)
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Altura: 1,90 metro;
Olhos azuis e queixo proeminente.
Aos quatorze anos, falava quatro idiomas
e lia tudo que podia.

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Nome completo:
Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador
Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel
Gabriel Rafael Gonzaga de Bragança e Habsburgo
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Ilustração acima (4): Entrega da mensagem à D. Pedro II, pelo Major Solon, no dia 16 de Novembro de 1889, intimando-o a deixar o país dentro de 24 horas. ....................................................................
No alto, 3 aspectos do Imperador Dom Pedro II: 01) em fotografia de autor desconhecido. 02) em gravura de Modesto Brocos. 03) em pintura. ...................................................................
"Eu sou republicano. Todos o sabem.
Se fosse egoísta, proclamava a República
para ter as glórias de Washington."
(D Pedro II)

 "Nasci para consagrar-me às letras e às ciências,
e, a ocupar posição política, preferiria a de
presidente da República ou ministro à de imperador."
(D Pedro II)
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PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA E A ILHA GRANDE


Usurpação de poder, covardia, traição e desumanidade caracterizaram o desfecho do movimento republicano “liderado” pelo marechal Deodoro da Fonseca contra o seu próprio amigo e protetor, o Imperador D. Pedro II, com 63 anos de idade, saúde debilitada, quando a dois passos já (estou) estava da morte, como ele mesmo definiu posteriormente o seu quadro existencial. Essas palavras proféticas se cumpriram lá na França, exatamente “dois anos” (750 dias) depois de ter sido cuspido do Brasil, país que amava sem reservas.
"A vida de Petrópolis agrada-me muito...Aqui trabalho melhor que no Rio, apesar dos dois passeios que faço todos os dias." (D Pedro II)
Em 15 de novembro de 1889, sexta-feira, dia em que teve início a queda do Regime Monárquico no Brasil, D. Pedro II estava gozando férias em Petrópolis com a sua família.
Na véspera, o major Frederico Sólon de Sampaio Ribeiro, cumpriu a missão de espalhar o boato de que Deodoro da Fonseca e Benjamin Constant tinham sido presos pela polícia imperial. O objetivo era acirrar os ânimos dos militares contra o Império, e assim, aproveitar a agitação dos mesmos para derrubar a Monarquia e implantar o regime Republicano no Brasil. A suja missão teve êxito. Anterior a essa data, D. Pedro já havia sido alertado sobre Deodoro e o deslocamento de tropa, porém teimoso, sempre considerava como um mero “motim militar”. Quando não, respondia: "Manuel Deodoro é meu amigo, tenho-o protegido e a toda a família".
O protegido do imperador (hoje, herói nacional) e Benjamin Constant, na madrugada de 15 de novembro, conduziram as tropas na direção do Campo de Santana, para fazer o cerco do Ministério, “onde numa sala do quartel-general, estava reunido o ministério, já informado sobre a suspeita movimentação das tropas.” Motivo pelo qual, haviam sido colocados, por determinação do governo, 2000 homens, entre soldados e marinheiros, no pátio interno e na frente dos edifícios. Pasmem! “Prestaram continência a Deodoro e lhe deram vivas.”
Diante de tal situação e sem defesa, Ouro Preto, decidiu passar urgentemente ao Imperador, um telegrama, aonde lhe transmitia os últimos acontecimentos e pedia demissão. Não demorou muito, o velho Marechal estava diante do ministério demissionário, criticando asperamente a conduta política de Ouro Preto, de quem tinha grandes motivos de ressentimentos, em relação aos militares.
Veja o que disse um historiador (não anotei o seu nome):
“Não se pode afirmar que Deodoro desejasse de fato proclamar a República. Eram notórias as suas ligações com a família imperial e muito sintomáticas as referências que fez naquele momento à amizade de que unia ao imperador. Talvez admitisse, intimamente, como soluções, apenas a mudança do gabinete de Ouro Preto; porém Deodoro tinha avançado muito e, por isso, não mais lhe seria possível recuar.”
Num outro momento do mesmo dia, seguido pelas tropas, montado em seu cavalo emprestado, desfilou orgulhosamente pelas principais ruas do centro da cidade. Da sede do Jornal da Cidade do Rio, Rebouças assistiu o desfile de Deodoro. A participação popular foi nula. Segundo Aristides Lobo: O povo assistiu a tudo bestializado, pensando tratar-se de uma parada militar. “Deodoro acedeu ao apelo dos oficiais republicanos, dissolveu o governo e foi para casa dormir, com dispnéia, um tipo de falta de ar associado a doenças pulmonares ou cardíacas.” - Revista Veja. Até esse momento do dia, nem o próprio Marechal Deodoro, havia tomado conhecimento de qualquer decisão que se evidenciasse “Proclamação da República.”
Todos os fatos apontam para a seguinte realidade: “Os republicanos, sabendo do descontentamento de Deodoro, bem como de seu grande prestígio entre os homens de farda, procuraram ganhá-lo para a conspiração, pois entendia que, com o apoio dos oficiais, a República poderia surgir segura e rápida”. E assim se fez.
Provavelmente, Deodoro foi usado como um “testa de ferro”, “bode expiatório” ou até mesmo como um “trouxa útil”, quem sabe. Uma vítima que ganhou como prêmio os títulos de Proclamador da República, presidente do Governo Provisório e primeiro presidente da República do Brasil. Em sua homenagem, uma estátua encontra-se erguida em frente ao terminal das barcas Rio-Niterói, lá na atual Praça XV de novembro, centro do Rio de Janeiro; e há uma estação ferroviária na zona oeste do Rio, próximo a Vila Militar, batizada com o seu nome: Estação de Deodoro.

D Pedro II, convencido do grave problema decidiu descer para o Rio. Até então nada de Proclamação da República pelo protegido do imperador, embora, patrimônio público como a Escola Politécnica onde Rebouças lecionava já “tivesse sido tomada pelo republicano Antônio da Silva Jardim”.
Aos 31 anos de idade, Silva Jardim, o jornalista e militante republicano teve uma morte bizarra. Viaja para a Europa. Durante visita a Itália e curioso por conhecer o Vesúvio, mesmo tendo sido alertado dos perigos da excursão, caiu na cratera do vulcão napolitano.
Pedro e a sua filha princesa Isabel ainda procuraram salvar a monarquia, “sugerindo a formação de um ministério sob a orientação de Silveira Martins, inimigo pessoal de Deodoro. Alertado sobre esse fato, o velho imperador propôs o nome do Conselheiro José Antônio Saraiva, para o cargo anteriormente ocupado por Ouro Preto.
Entretanto, a ação do soberano viera muito tarde. Já nas primeiras horas do dia 16 (sábado), "o Diário Oficial publicava a notícia de ter sido proclamada a República e da organização de um governo provisório. O novo regime era um fato consumado. Este movimento resultou da união de três forças sociais: Exército, fazendeiros do Oeste Paulista e a classe média urbana."


D. PEDRO II E SUA FAMÍLIA PRISIONEIROS
Assim registrou Raul Pompéia o “procedimento enérgico para com os membros da dinastia dos príncipes do ex-império”, na manhã de sábado (16 de novembro) , dia oficial da Proclamação da República, na residência imperial, Paço da Cidade, transformada em prisão do Estado:
“A todas as portas do edifício principal, na manhã de sábado e às portas das outras habitações dependentes, ligadas pelos passadiços, foram postadas sentinelas de infantaria e numerosos carabineiros montados. O saguão transformou-se em verdadeira praça de armas.
Muitos personagens eminentes do Império e diversas famílias ligadas por aproximação de afeto à família imperial apresentaram-se a falar ao Imperador e aos seus augustos parentes, retrocedendo com desgosto de uma tentativa perdida. A proporção que passavam as horas, foi-se tornando mais rigorosa a guarda das imediações do palácio. As sentinelas foram reforçadas por uma linha de baionetas que a pequenos intervalos se estendeu pelo passeio, em todo o perímetro da imperial residência transformada em prisão do Estado.”
Só, nesse mesmo dia de sábado, um dia depois que havia descido com a família de Petrópolis para o Paço da Cidade, o imperador recebeu pelas mãos do major Sólon Ribeiro (o boateiro, Pai de Ana Emília Ribeiro, casada com o escritor Euclides da Cunha, e envolvida em tragédia passional.), a intimação do Governo Provisório, que teriam que partir para o exílio na madrugada seguinte. “Isabel chorou e Teresa Cristina, a imperatriz, afligiu-se quando Pedro comunicou o teor da mensagem que havia recebido: ele estava destituído, a República, proclamada, e a família real tinha 24 horas para deixar o país. "Pois, se tudo está perdido, haja calma. Eu não tenho medo do infortúnio", disse, recuperando o controle depois de receber (...) o aviso de que teriam de sair de imediato, sob o manto da escuridão.” - Revista Veja/2007
"O objetivo declarado dos republicanos era evitar que, num embarque durante o dia, simpatizantes mais exaltados do novo regime hostilizassem o monarca e seus familiares. O objetivo real era o oposto exato: tornar mais difícil que viessem à tona manifestações de solidariedade a D. Pedro II."
A condição de prisioneiro em que já se encontrava e a decisão covarde de Deodoro contra o próprio amigo e protetor, “provocou uma das poucas reclamações do imperador deposto. “Não sou nenhum (ou/escravo) fugido”, repetiu duas vezes. No mais, “nobre dignidade e perfeita segurança de si mesmo caracterizaram a compostura de Sua Magestade; nem ao menos uma palavra de queixa ou reprovação saiu de sua boca”, segundo descrição do embaixador da Áustria, conde Weisersheib, que no dia seguinte (17 novembro/domingo) acompanhou os netos do imperador até o navio que os levaria para a Europa.
André Rebouças (Tunel Rebouças), voluntariamente decidiu partir com eles para o exílio, e anos depois encontrado morto na África. Provavelmene suicidou-se. Registrou assim em seu diário de 16 de novembro: "Conclui partir para a Europa com a Família Imperial em lugar do Dr Benjamin Franklin Ramiz Galvão, impossibilitado de partir por numerosa família."


LEVADOS PARA A ILHA GRANDE (ENSEADA DO ABRAÃO)
A família teve de ser encaminhada, de lancha, ao cruzador Parnaíba, "onde aguardariam a chegada dos três filhos da princesa e só então navegariam para a Ilha Grande, para embarcar no Alagoas. Na sexta-feira, Isabel e seu marido imaginando que poderia haver tumultos no Rio, haviam enviado seus três filhos para Petrópolis na sexta-feira. Péssima idéia."
Além da mensagem intimando-o a deixar o país dentro de 24 horas, ofereceu-lhe, de uma vez, a quantia de 5 mil contos de réis para seu estabelecimento no exterior. Pedro (o melhor amigo de Deodoro), amargurado, recusou a oferta, "pedindo somente um travesseiro com terras do Brasil, para repousar a cabeça quando morresse," e partiu às três da madrugada para Portugal. A recusa dessa "oferta humilhante" por parte do ex-imperador deixou Deodoro (o melhor inimigo de Pedro) indignado.
Veja como foi despejado o Imperador, a Monarquia e toda Família Imperial. Registro histórico de uma testemunha ocular: Raul Pompéia.
“Às três da madrugada de domingo, enquanto a cidade dormia tranquilizada pela vigilância tremenda do Governo Provisório, foi o Largo do Paço teatro de uma cena extraordinária, presenciada por poucos, tão grandiosa no seu sentido e tão pungente, quanto foi simples e breve. (...)
Às três da madrugada, menos alguns minutos, entrou pela praça um rumor de carruagem. Para as bandas do largo houve um ruidoso tumulto de armas e cavalos. As patrulhas que passavam de ronda retiraram-se todas a ocupar as entradas do largo, pelo meio do qual, através das árvores, iluminando sinistramente a solidão, perfilavam-se os postes melancólicos dos lampiões de gás.
Apareceu, então o préstito dos exilados.
Nada mais triste. Um coche negro, puxado a passo por dois cavalos que se adiantavam de cabeça baixa, como se dormissem andando. À frente duas senhoras de negro, a pé, cobertas de véus, como a buscar caminho para o triste veículo. Fechando a marcha, um grupo de cavaleiros, que a perspectiva noturna detalhava em negro perfil.
Divisavam-se vagamente, sobre o grupo, os penachos vermelhos das barretinas de cavalaria.
O vagaroso comboio atravessou em linha reta, do paço em direção ao molhe do cais Pharoux. Ao aproximar-se do cais, apresentaram-se alguns militares a cavalo, que formavam em caminho.
-É aqui o embarque? - perguntou timidamente uma das senhoras de preto aos militares. O cavaleiro, que parecia oficial, respondeu com um gesto largo de braço e uma atenciosa inclinação de corpo.
Por meio dos lampiões que ladeiam a entrada do molhe passaram as senhoras. Seguiu-as o coche fechado. Quase na extremidade do molhe, o carro parou e o Sr. D. Pedro de Alcântara apeou-se - um vulto indistinto entre outros vultos distantes – para pisar pela última vez a terra da pátria.
Do posto de observação em que nos achávamos, com a dificuldade, ainda mais da noite escura, não pudemos distinguir a cena do embarque. Foi rápido, entretanto. Dentro de poucos minutos ouvia-se um ligeiro apito, ecoava no mar o rumor igual da hélice da lancha, reaparecia o clarão da iluminação interior do barco e, sem que se pudesse distinguir nem um só dos passageiros, a toda a força de vapor, o ruído da hélice e o clarão vermelho afastavam-se da terra.” (Raul Pompéia)
Depois de demitido do cargo que ocupava na Biblioteca Nacional, em 1895, Raul Pompéia suicidou-se.

De lancha, foram levados para bordo do cruzador Parnaiba.
O engenheiro André Rebouças, introdutor, entre nós, do cimento em obras de grande magnitude, só às 09 e 30 h, encontrou com o ex-imperador no navio Parnaíba II, que partiu às 11 horas na direção do litoral de Angra dos Reis. Coube ao Capitão-de-Fragata José Carlos Palmeira, comandante do cruzador, a dolorosa incumbência de levar a comitiva até a enseada do Abraão, na Ilha Grande, onde deveria transferir-se para o Alagoas II, que a conduziria em sua viagem de exílio.
O navio Alagoas, então pertencente a Companhia Brasileira de Navegação a Vapor, posteriormente Lloyd Brasileiro, foi temporariamente incorporado à Esquadra em 1889, para conduzir à Família Imperial ao exílio na Europa. Nas primeiras horas do dia 18 de novembro(segunda-feira), sob o comando do Capitão-de-Longo-Curso José Maria Pessoa, deixou a Enseada do Abraão com destino a Portugal. Chegou a Lisboa em 7 de dezembro.


MORTE DE DONA TERESA CRISTINA
Dona Teresa Cristina, esposa de Pedro II, durante toda a viagem transatlântica que conduziu a Família Imperial rumo ao exílio, esteve em estado de choque, entorpecida pelo tratamento desumano e covarde que os republicanos dedicaram com muito gosto à dinastia deposta. Ao embaixador da Austria, conde Wisersheimb, presente no embarque, perguntou? “Que fizemos para sermos tratados assim?” Chegando em Portugal retirou-se para a cidade do Porto, onde sentiu-se muito mal. Um médico fora chamado as pressas nada podendo fazer, falecendo vítima de uma síncope cardíaca agravada por acentuado estresse emocional, no dia 28 de dezembro, menos de dois meses depois do golpe militar de 15 de novembro de 1889. Suas últimas palavras teriam sido: “Brasil, terra abençoada que nunca mais verei”.
Não bastasse muito recentemente “o rigor da iníqua sorte, atroz e sem piedade, arrancando o trono e a majestade de D. Pedro II, quando a dois passos já estava da morte", logo em seguida, o falecimento da pessoa que ele aprendeu a amar aos poucos, dia-a-dia, embora tenha sido infiel em algumas ocasiões. Profundo sentimento de perda transbordou em seu diário: “Não sei como escrevo. Morreu haverá meia hora a imperatriz, essa santa (...) Ninguém imagina minha aflição. Somente choro a felicidade perdida de 46 anos (...) abriu-se na minha vida um vácuo que não sei como preencher.”
EXILÍO NA FRANÇA E A MORTE DA CONDESSA DE BARRAL Viuvo, exilou-se na França vivendo entre Cannes, Versalhes e Paris. Frequentava biblioteca, concertos e conferências. Nesse período passou algumas temporadas na residência da Condessa de Barral em Cannes, Luisa Margarida Portugal de Barros, que quando viveu no Brasil foi preceptora das suas filhas princesas imperiais Isabel e Leopoldina Agusta. Ela possuia personalidade exuberante, ar acertivo, inteligência incomum, aspectos diferentes de sua esposa Dona Teresa Cristina. Pedro II sentia-se atraído por mulheres assim, ou seja, pessoas intelectualizadas. Dessa forma, tornou-se amiga íntima do Imperador, em tom romântico, que duraria até o ano da morte de ambos. Por Luisa, além de amor tinha tremenda admiração intelectual, sentimento platônico absolutamente revelado por ocasião de sua morte, em janeiro de 1891: “Nunca conheci inteligência assim, e sempre a mesma durante 50 anos. Estou deveras no vácuo.” Faleceu poucos meses antes do Imperador. Mais uma perda fatal, dolorosa, irreparável, em curto espaço de tempo.

FUNERAIS DE IMPERADOR PARA D. PEDRO II
A partir daí, física, moral e emocionalmente abatido, não conseguiu mais ter razão para viver conforme gostaria. Decidiu, então, entregar-se a uma vida solitária, cercando-se de livros e recebendo esporádicas visitas de amigos. Instalou-se num hotel modesto, na Rua Arcade nº 17, Paris, onde passaria seus últimos dias. Com o organismo debilitado, uma ferida no pé que o obrigou a não mais sair do hotel, assim viveu os últimos dias da sua existência.

Pressentindo que já estava bem próximo da morte, numa questão de horas ou poucos dias, eternizou em seu inseparável diário: “Já clareia (...) aguardo o dia. 5h30. Não posso nada fazer. Não tenho perna nada capaz nem luz. Enfim é uma maçada.”
Em dezembro de 1891, foi vitimado de uma pneumonia aguda no pulmão esquerdo e morreu, aos 20 minutos do dia 5 de dezembro, três dias após completar 66 anos de idade, no hotel Bedford onde residia. Dentro do travesseiro no qual repousava a cabeça estava as terras do Brasil, que pediu no lugar da quantia de 5 mil contos de reis, no dia 16 de novembro de 1889, após haver recusado oferta humilhante determinada pelo Governo Provisório da República do Brasil, para prover “à decência da posição da família do ex-Imperador e às necessidades do seu estabelecimento no estrangeiro.” Ultimas palavras do seu pensamento foram: Nunca esqueci do Brasil. Morri pensando nele. Que Deus o proteja. "Conheci muitos figurões, mas nunca vi um cujo tratamento igualasse o de dom Pedro em cortesia", escreveu o autor de seu obituário no The New York Times. O governo republicano francês, na pessoa do então presidente Sadi Carnot, rendeu honras imperiais aos restos mortais de nosso Imperador, ao contrário do governo republicano do Brasil que sob as desculpas de "evitar descabidas re-vivências do espírito monárquico" resolveu não participar, oficialmente, das manifestações de pesar. Nenhuma manifestação de consideração ou respeito. Total ausência de humanidade. "O cortejo fúnebre foi acompanhado por mais de 200 mil pessoas e o governo francês destacou 80 mil soldados para fazerem as honras e o acompanhamento do caixão. Por onde ia passando, os soldados apresentavam armas." A imprensa francesa realizou uma ampla cobertura sobre a morte do Imperador e de seu solene enterro, ressaltando aspectos elevados de sua personalidade, sua excepcional erudição e seus dotes políticos. Após as homenagens, o ataúde que conduzia os restos mortais de D. Pedro II foi levado a um trem especial que o conduziu a Lisboa. Na capital portuguesa , após a celebração das Exéquias, na Igreja de S. Vicente de Fora, pelo Cardeal de Lisboa e 12 bispos, foi o Imperador sepultado no Panteão dos Braganças, ao lado da Imperatriz D. Teresa Cristina. Devido a Lei do banimento decretada pela ditadura militar, liderada pelo Marechal Deodoro, contra os indefesos Pedro e sua família, seus despojos somente retornaram ao Brasil muitos anos depois do golpe da Proclamação da República de "15" de novembro de 1889, para repousarem, ao lado da Imperatriz Teresa Cristina, na Catedral de São Pedro de Alcântara, cidade de Petrópolis, Rio de Janeiro. ..................................................................................... No exílio, o Imperador D. Pedro II compos os sonetos abaixo.
Neles transbordou os mais profundos sentimentos da alma.
INGRATOS
Por D. Pedro II
Não maldigo o rigor da iníqua sorte,
Por mais feroz que fosse e sem piedade,
Arrancando-me o trono e a magestade
Quando a dous passos só estou da morte.
Do jugo das paixões, minha alma forte,
Conhece bem a estulta vaidade,
Que hoje da contínua felicidade
E amanhã nem um bem que nos conforte.
Mas a dor que escrucia e que maltrata,
A dor cruel que o ânimo deplora,
Que fere o coração e pronto mata,
É ver na mão cuspir a extrema hora
A mesma boca aduladora e ingrata,
Que tantos beijos nela pos outrora.

................................................................................................... Terra do Brasil
  • D. Pedro II
Espavorida agita-se a criança,
De noturnos fantasmas com receio,
Mas se abrigo lhe dá materno seio,
Fecha os doridos olhos e descansa.
Perdida é para mim toda a esperança
De volver ao Brasil; de lá me veio
Um pugilo de terra; e neste creio
Brando será meu sono e sem tardança...
Qual o infante a dormir em peito amigo,
Tristes sombras varrendo da memória,
ó doce Pátria, sonharei contigo!
E entre visões de paz, de luz, de glória,
Sereno aguardarei no meu jazigo
A justiça de Deus na voz da história!